segunda-feira, 12 de abril de 2010

Ideais


Um ensinamento budista, sobre ideais, apego e reflexão.


Todas as grandes religiões são baseadas em fazer o bem, em não fazer o mal. Todos os praticantes desejam uma vida que seja assim. O que, então, nossos "ideais" tem a ver com tudo isto?

Quando o homem começa a perceber que sua vida não está indo bem (o primeiro passo crucial na prática) concebe a idéia - e com freqüência encontra uma prática para atendê-la - de que deve ser diferente do que tem sido: acha que 'deve' ser mais gentil, mais generoso, mais paciente, menos irado; ou (se tiver uma prática meditativa), que deve ter uma mente tranqüila; deve agir de toda maneira apropriadamente para se tornar iluminado; talvez devesse ser mais ascético.

Então o que há de errado nisso? Não devíamos todos tentar ser essas coisas boas, lutar para alcançar esses ideais?

O que é difícil de entender é que, se fizermos isso, nós simplesmente haveremos substituído por um novo ídolo (o meu eu perfeito) o antigo ídolo (perfeição ou prazer procurados no mundo fenomênico das pessoas e das coisas). O novo homem, lutando para ser um eu ideal, é pego pelos seus desejos como sempre - e uma vida de verdadeira paz, sabedoria, compaixão o escapa. Um novo sistema de crenças substituiu o antigo; as paredes da prisão foram redecoradas, por um gosto mais refinado talvez, mas a prisão permanece.

Quase que sem exceção, todos nós estamos fazendo isto. Até mesmo o pensamento "bom, então não vou fazer isto, vou deixar de tentar ser perfeito" é ainda mais redecoração.

Então como proceder? Primeiro vejamos que não é a ação particular que está em questão - de todo jeito vamos viver uma vida generosa. É a minha consciência do que acompanha o ato de generosidade (o reconhecimento de minhas reservas em dar, ou meu ressentimento, minha ansiedade quando eu sirvo o outro ou seguro minha língua irada) que aos poucos me transforma. É a experiência de minha própria indelicadeza que pode me habilitar a ser verdadeiramente gentil, generoso.

O que significa experimentar minha própria indelicadeza? Primeiro, uma observação impessoal e sem julgamentos de meus pensamentos indelicados é necessária - sem nenhuma análise, apenas atenção pura. Segundo, devo experimentar diretamente a tensão corporal que é o espelho exato de meu pensamento separador, meu medo. Neste experimentar, neste samadhi de não-pensamento, eu sou os outros e a gentileza é a minha verdadeira natureza. Mais e mais eu vejo meus próprios pensamentos indelicados como o sonho que são (e vejo também que meus ideais são os filhos deste sonho).

Nesta prática ou zazen, nossa experiência do que nossa vida é devagar clareia, e mais e mais sua expressão natural é a gentileza e a compaixão.

Fácil? Nem um pouco. Achamos difícil de fato nos afastar de nosso falso desejo por um ideal (sempre envolvendo julgamento sobre nós e os outros) e praticar com a experiência direta de nossa vida neste exato momento. Mas em nome de nossos votos de fidelidade a toda a vida, apenas fazemos, pacientemente e com determinação.

Monja Charlotte Joko Beck
fonte: http://www.budismosimples.kit.net

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